Lou e Rée viveram juntos como irmãos em Berlim. Lou e Rilke viveram como amantes nos arredores de Berlim.
Louise von Salomé nasceu em São Petersburgo, Rússia, em 12 de Fevereiro de 1861
Louise von Salomé nasceu em São Petersburgo, Rússia, em 12 de Fevereiro de 1861
Foi a sexta criança da família e a primeira menina. Lou cresceu num lar harmonioso, onde aprendeu a amar e compreender. O pai, general Gustav von Salomé, era oficial do czar russo. Extremamente afectuoso, exercia a autoridade paterna com amor. Capaz de pequenas manifestações de ternura, como voltar das recepções promovidas pelo czar trazendo bombons para os filhos.
Lou considerava o pai como o "primeiro modelo de Deus". A mãe, senhora Louise Wilm von Salomé, era uma pessoa doce, profundamente religiosa e dedicada à família, com grande capacidade de resolução e dona de um temperamento independente. Os pais amavam-se muito e o respeito mútuo imperava. Quando a filha nasceu, o general achou natural colocar o nome da esposa, o "nome mais belo do mundo". Lou via na mãe uma concorrente ao amor do pai. Considerada rebelde e voluntariosa, frequentemente chocava-se com a autoridade materna, situação que perdurou durante toda a vida.
Outra presença marcante na infância de Lou: Deus. Era o Amigo invisível, auxílio e protecção.
"Eu não falava só de mim a Deus, de noite, no escuro: eu lhe contava, generosamente e sem ser convidada a isso, histórias inteiras. Essas histórias eram bem especiais. Elas provinham, parece-me, da necessidade que eu experimentava, de fazer o bom Deus participar do mundo exterior, tão presente ao lado de nosso mundo secreto; realidade da qual esta extraordinária relação me separava mais do que fixava solidamente. Não era, pois, por acaso que eu tirava dos acontecimentos reais a matéria de minhas histórias, dos encontros com pessoas, com animais, com objectos; Ter Deus como ouvinte bastava para assegurar-lhes um carácter feérico, que eu não precisava assinalar; tratava-se, ao contrário, de se convencer com precisão da realidade. Claro, eu não podia contar nada que Deus, em sua ciência e poder infinitos, já não o soubesse; mas era justamente o que garantia a meus olhos a realidade indubitável de minhas histórias, e era por isso que, não sem satisfação, eu começava sempre por essas palavras: Como tu sabes..."
Mas, no momento em que Lou se convenceu de que podia dirigir a sua vida sem a ajuda do grande Amigo, ela o abandonou. Isso tornou-a mais dura, mais exigente consigo mesma, mais autodisciplinada. Lou acreditava ter perdido a fé já há algum tempo, quando ouviu a pregação do pastor protestante Hendrik Gillot. As palavras ouvidas reflectiam os pensamentos da adolescente, que procurou por ele. A vontade de aprender, o espírito curioso de Lou despertaram a atenção de Gillot, que lhe ensinou matérias que não eram oferecidas tradicionalmente nas escolas: filosofia, lógica, teoria do conhecimento, metafísica, teologia. Ensinou também literatura francesa e filosofia alemã. Aconselhou-a a ler Descartes, Pascal, Voltaire, Rousseau e Kant, dentre outros.Nessa época, o pai faleceu. A mãe tentou em vão interromper a formação intelectual de Lou conduzida pelo pastor considerado excessivamente liberal. Parecia até que estava adivinhando o final da história. Um tempo depois, Gillot, casado, pai de duas filhas que regulavam idade com Lou, declarou-se para a adolescente, pedindo-a em casamento. Lou ficou chocada. Afinal, via-o quase como um sósia de Deus.
"O que eu havia adorado desertou, de uma vez, de meu coração e meu espírito, e se tornou estrangeiro para mim. Sentir algo que possuía exigências próprias, e não se contentava apenas com realizar as minhas, mas, ao contrário, as ameaçava e buscava mesmo desviar do caminho recto os esforços que eu fazia para me encontrar, e pelo qual ele era responsável. Era realmente um outro homem que estava diante de mim; um homem que eu tinha divinizado e que, sob esse véu, eu não tinha podido perceber claramente."
Lou optou por renunciar aos encontros com Gillot, apesar de continuar considerando-o um grande amigo.Aos 19 anos, Lou deixou São Petersburgo, levando consigo sua fome de conhecimento. Após breve passagem por Zurique, onde o clima não favoreceu sua saúde, mudou-se para Roma. Munida de uma carta de recomendação, procurou Malwida von Maysenburg, uma mulher extraordinária, que abrira mão de títulos de nobreza para dedicar-se à "ajudar a emancipar a mulher dos limites que a sociedade lhe impôs".
A feminista simpatizou de imediato com Lou, reconhecendo-se nela quando jovem. Lendo os poemas que Lou lhe mostrou, comentou: "Grandes tarefas a esperam, falaremos disso muitas outras vezes".
Na casa de Malwida, Lou conheceu Paul Rée, que lhe causou certa impressão.
A feminista simpatizou de imediato com Lou, reconhecendo-se nela quando jovem. Lendo os poemas que Lou lhe mostrou, comentou: "Grandes tarefas a esperam, falaremos disso muitas outras vezes".
Na casa de Malwida, Lou conheceu Paul Rée, que lhe causou certa impressão.
Paul Rée tinha 32 anos, era filósofo e já havia publicado três livros. Rée assistiu alguns cursos de Nietzsche, de quem tornou-se grande amigo.A primeira conversa entre os Paul Rée e Lou foi definitiva para o início dos laços de amizade. Depois desta, várias outras aconteceram na casa de Malwida e em passeios pelas ruas desertas de Roma, sob a luz do luar.
O sentimento que ligou Rée a Lou não demorou a se transformar em amor. Mas, unilateral. Lou admirava Paul Rée. Tinha até um plano ousado para a época – passarem a morar juntos, como amigos. Nada mais do que amizade.Esse plano, é claro, encontrou a oposição da mãe de Lou e até mesmo de Malwida, que expôs que tal acontecimento daria lugar a comentários que atingiriam a reputação da jovem. Malwida reafirmou sua confiança na amiga, na sua capacidade de discernimento, na pureza de seus propósitos. Mas, advertiu que era preciso não dar ao mundo este tipo de armas, era preciso não dar ao mundo o direito de se enganar a nosso respeito. Rée e Malwida haviam escrito para Nietzsche sobre a nova amiga. Ambos a descreveram com grande estusiasmo. Rée convidou o amigo para ir até Roma com o objectivo de conhecer Lou e acrescentou que pensavam em organizar uma comunidade, onde os três estariam juntos.Nietzsche aquiesceu. Chegou à Roma de surpresa e Malwida indicou o provável local onde acharia os amigos – uma pequena capela anexa à catedral de São Pedro. Era ali que os dois encontravam tranquilidade para estudar. Nietzsche aproximou-se do casal, absorto em suas leituras, estendeu a mão em direcção a Lou e perguntou: "De que estrelas caímos nós para nos encontrar aqui?".
Desde esse primeiro encontro, a ideia da Santa Trindade tomou corpo. Pensaram em instalar-se em Viena. Depois, acharam que Paris seria melhor. Só que algo aconteceu, ameaçando o futuro da Santa Trindade: Nietzsche também apaixonou-se por Lou e foi tomado pela ideia de desposá-la. Preocupados em não chocar o amigo, cuja saúde era frágil, Paul Rée, orientado por Lou, contou a Nietzsche que Lou tinha aversão pelo casamento. Além disso, havia o problema financeiro. Lou recebia uma pensão do governo russo após a morte do pai, à qual perderia o direito após um casamento.
Como Nietzsche não tinha boas condições financeiras, esse argumento acalmou seus propósitos, sem, no entanto, eliminá-los.Em fins de Abril de 1882, Lou e a mãe viajaram para o norte da Itália. Nietzsche e Rée foram encontrá-las em Milão e juntos foram para a região dos Alpes. Num final de tarde, depois de um passeio, Nietzsche teve finalmente a chance de ficar à sós com Lou, enquanto a senhora Salomé e Rée descansavam no hotel. Os dois decidiram fazer uma caminhada até o Monte Sacro, uma colina encantadora de 915 metros. O passeio durou bem mais que a uma hora prevista. O que aconteceu durante o passeio foi mantido em segredo. Nietzsche escreveu para Lou: "eu devo a você o sonho mais bonito de minha vida". E Lou disse anos depois: "não me lembro se beijei Nietzsche em Monte Sacro".
Pouco depois, os quatro se separaram. A senhora Salomé, a filha e Paul Rée foram para Locarno e Nietzsche visitou os amigos Overbeck em Bâle. Os amigos ficaram surpresos com a boa forma do filósofo. Viam-no sempre em crises e dessa vez mostrou-se conversado, feliz e confiante.
O grupo encontrou-se novamente em Lucerne, onde os três amigos tiraram uma fotografia que ficou bastante famosa. Nela Lou estava sentada numa charrete segurando um chicote, enquanto os amigos estavam na frente da charrete, presos à mão de Lou através de cordas.
Nessa ocasião, Nietzsche propôs casamento para Lou, que rejeitou prontamente a idéia. Mais uma vez, o grupo separou-se. Lou viajou para Berlim com o irmão mais novo. Rée foi para a propriedade da família em Stibbe, na Prússia Ocidental. Por sua vez, Nietzsche, após breve passagem por Bâle, oportunidade em que os Overbeck constataram o seu desespero, foi para a casa de sua família em Naumburg.A correspondência entre os amigos ficou mais intensa nesse período. As cartas de Rée para Lou exprimiam seu imenso carinho, evidenciando o grande amor que sentia. Nietzsche era mais reservado com relação aos sentimentos, tentando esconder a tristeza que a distância de Lou lhe causava e o abatimento que a recusa da amada lhe causou. Lou era sempre a mesma: espontânea, despreocupada, com sede de viver, deixando-se amar. Lou foi passar o verão em Stibbe, devidamente escudada pela mãe de Rée. Lá os amigos passaram dias felizes, fortalecendo a amizade entre os dois.
Em julho, Lou deixou Stibbe e se dirigiu para Bayreuth, onde Malwida a esperava para juntas assistirem ao festival.
Em julho, Lou deixou Stibbe e se dirigiu para Bayreuth, onde Malwida a esperava para juntas assistirem ao festival.
Lá encontrou pela primeira vez a irmã de Nietzsche, com quem já trocara algumas cartas. Elizabeth Nietzsche era uma bela mulher de 36 anos. Protestante rígida, ficou chocada com a liberdade de pensamento de Lou, sua preferência pela companhia masculina, seu sucesso junto aos homens. Já não gostava de Lou, antes mesmo de conhecê-la, pois sentia ciúmes do irmão. Apesar disso, viajou com Lou para Tautenburgo, onde Nietzsche passava o verão. Mas, estava disposta a proteger o irmão da mulher "imprópria". A cada dia, Elizabeth se escandalizava mais com Lou: como uma mulher podia falar tão abertamente sobre Deus, sexo, moral? Além disso, desaprovava os longos passeios que fazia com Nietzsche pela floresta e o fato do irmão permanecer no quarto de Lou até tarde.Nietzsche, mesmo sentindo a tensão ao redor, estava muito feliz.
Jamais conversara com tanta profundidade sobre todos aqueles assuntos que o interessavam com uma mulher, ainda mais uma mulher jovem e bela. Queria transformá-la em sua discípula, queria que Lou pudesse ser a herdeira de suas ideias.
Quanto a Lou, encontrava-se totalmente atraída, mas não pelo homem, somente pelo filósofo, que alimentava a sua fome de saber. Ela não se preocupava com o mal que poderia estar causando ou vir a causar a uma pessoa extremamente sensível. Nas cartas que escrevia a Rée, além de contar o dia a dia, analisava a comunhão espiritual e intelectual que descobrira ter com Nietzsche.A estada de Lou em Tautenburgo provocou um rompimento entre os irmãos Nietzsche, o qual Elizabeth fez questão de tornar público. Escreveu para os amigos do irmão longas cartas denegrindo a imagem de Lou, distorcendo fatos, criticando, julgando.
Ao deixar Tautenburgo, Lou entregou a Nietzsche um poema que havia escrito meses antes. Este texto foi musicado pelo filósofo.
Claro, como se ama um amigo
Eu te amo, vida enigmática –
Que me tenhas feito exultar ou chorar,
Que me tenhas trazido felicidade ou sofrimento,
Amo-te com toda a tua crueldade,
E se deves me aniquilar,
Eu me arrancarei de teus braços
Como alguém se arranca do seio de um amigo.
Com todas as minhas forças te aperto!
Que tuas chamas me devorem,
No fogo do combate, permite-me
Sondar mais longe teu mistério.
Ser, pensar durante milénios!
Encerra-me em teus dois braços:
Se não tens mais alegria a me ofertar
Pois bem – restam-te teus tormentos.
Ao deixar Tautenburgo, Lou entregou a Nietzsche um poema que havia escrito meses antes. Este texto foi musicado pelo filósofo.
Claro, como se ama um amigo
Eu te amo, vida enigmática –
Que me tenhas feito exultar ou chorar,
Que me tenhas trazido felicidade ou sofrimento,
Amo-te com toda a tua crueldade,
E se deves me aniquilar,
Eu me arrancarei de teus braços
Como alguém se arranca do seio de um amigo.
Com todas as minhas forças te aperto!
Que tuas chamas me devorem,
No fogo do combate, permite-me
Sondar mais longe teu mistério.
Ser, pensar durante milénios!
Encerra-me em teus dois braços:
Se não tens mais alegria a me ofertar
Pois bem – restam-te teus tormentos.
Lou retornou para Stibbe para passar o outono com a família Rée. Os amigos trocavam correspondências com Nietzsche, pois estavam preocupados com os reflexos das desavenças com a irmã em seu espírito.Os três encontraram-se novamente em Leipzig. No começo, tudo corria bem, apesar do clima não ser exactamente o mesmo de outrora. Cada um deles trabalhava em algum projecto. Lou fazia um estudo sobre a história das religiões, que Nietzsche lia e comentava. Ele a achava "um pequeno génio" e ficava feliz em colaborar com o trabalho. Depois, Nietzsche começou a tecer duras críticas ao rival. Pouco a pouco, Lou foi perdendo o encanto pelo filósofo.Assim, Lou e Rée partiram para Paris, onde passaram a dividir a mesma casa, sempre como amigos, contrariando as expectativas de Rée, a quem Lou via como um irmão. Nietzsche escreveu várias cartas mostrando a sua amargura e revolta, nas quais falava sobre um possível suicídio.
"Como sua amizade é mirrada, ao lado da do amigo Rée! Como você é desmunida de respeito, de gratidão, de piedade, de polidez, de admiração – pudor – sem falar de coisas mais elevadas. Que responderia se eu lhe perguntasse: você é corajosa? É incapaz de traição? Não tem consciência de que um homem como eu, junto de você, deve fazer grandes esforços sobre si mesmo? Eu poderia facilitar as coisas em minhas relações com você: mas já fiz muito esforço sobre mim mesmo, com relação a muitas coisas, e me acredito ainda capaz disto: lhe ser útil, mesmo se você me prejudica. Você tem em mim o melhor dos advogados, mas também o mais impenitente dos juízes. Quero que você julgue a si própria e fixe, você mesma, seu castigo. Minha cara Lou, tome cuidado! Se eu afasto você de mim agora, será uma terrível censura de todo o seu ser! Você esteve em contacto com um dos homens mais indulgentes e mais bem intencionados: mas note bem que o nojo é para mim um argumento suficiente contra todos os pequenos egoístas e todos os pequenos fruidores. Sou vencido pelo nojo mais facilmente do que as pessoas o crêem. Mude de opinião, volte a você mesma! Nunca me enganei sobre ninguém: e há em você esta aspiração a um egoísmo sagrado que é uma aspiração à obediência com relação ao que há de mais alto – e você a confundiu, em razão de não sei que maldição, com seu contrário, o apetite ladrão do gato, da vida unicamente pelo amor da vida. Quem poderá ainda frequentar você, se você solta o freio a todos os traços mesquinhos de sua natureza! Você prejudicou, você fez mal – não somente a mim mas a todos os que me amavam – esta espada está suspensa acima de sua cabeça."
"Como sua amizade é mirrada, ao lado da do amigo Rée! Como você é desmunida de respeito, de gratidão, de piedade, de polidez, de admiração – pudor – sem falar de coisas mais elevadas. Que responderia se eu lhe perguntasse: você é corajosa? É incapaz de traição? Não tem consciência de que um homem como eu, junto de você, deve fazer grandes esforços sobre si mesmo? Eu poderia facilitar as coisas em minhas relações com você: mas já fiz muito esforço sobre mim mesmo, com relação a muitas coisas, e me acredito ainda capaz disto: lhe ser útil, mesmo se você me prejudica. Você tem em mim o melhor dos advogados, mas também o mais impenitente dos juízes. Quero que você julgue a si própria e fixe, você mesma, seu castigo. Minha cara Lou, tome cuidado! Se eu afasto você de mim agora, será uma terrível censura de todo o seu ser! Você esteve em contacto com um dos homens mais indulgentes e mais bem intencionados: mas note bem que o nojo é para mim um argumento suficiente contra todos os pequenos egoístas e todos os pequenos fruidores. Sou vencido pelo nojo mais facilmente do que as pessoas o crêem. Mude de opinião, volte a você mesma! Nunca me enganei sobre ninguém: e há em você esta aspiração a um egoísmo sagrado que é uma aspiração à obediência com relação ao que há de mais alto – e você a confundiu, em razão de não sei que maldição, com seu contrário, o apetite ladrão do gato, da vida unicamente pelo amor da vida. Quem poderá ainda frequentar você, se você solta o freio a todos os traços mesquinhos de sua natureza! Você prejudicou, você fez mal – não somente a mim mas a todos os que me amavam – esta espada está suspensa acima de sua cabeça."
Elizabeth Nietzsche, sabendo do sofrimento do irmão, retomou sua campanha contra Lou. Achava o maior dos absurdos sua coabitação com Rée. Nietzsche sofria com tudo isso, mas acabou juntando-se à irmã. Tudo isso não afectou Lou, que não revidou aos ataques sofridos, permanecendo silenciosa e independente. Lou e Rée viveram juntos em Berlim, depois de uma temporada em Paris, por cinco anos. Sempre como irmãos. Foram bons anos para Lou e Rée. Ela encontrou no amigo um companheiro "de uma nobreza de alma absolutamente única". Os amigos brincavam que Rée era a dama de companhia de Lou. O temperamento alegre da amiga reflectiu em Rée, que mostrava-se menos atormentado e mais confiante. Foi nessa época que começou seu sucesso como escritora, com o livro "Uma luta por Deus", o qual assinou como Henri Lou.
Lou tinha 26 anos quando conheceu o professor de língua persa Carl Andreas, quinze anos mais velho. Para espanto de todos, o casamento aconteceu em junho de 1887. Lou sentiu-se na obrigação de aceitar o segundo pedido de casamento, após uma tentativa de suicídio de Andreas. Mas, foi um casamento estranho, que de facto nunca se concretizou. O acordo entre os dois previa que Andreas não faria valer seus "direitos" de marido. Nunca houve contacto físico. Além disso, Andreas deveria respeitar a liberdade da esposa e ficou acertado que as relações entre Lou e Rée não mudariam.Apesar de Rée aparentemente ter concordado com a situação, um profundo mal estar surgiu. Rée, então, decidiu mudar-se de Berlim."A noite em que ele me deixou se inscreveu em letras de fogo na minha memória. Ele partiu muito tarde, voltou ao cabo de alguns minutos porque chovia muito. Depois de algum tempo ele partiu de novo, mas não tardou em voltar para apanhar um livro. Quando se foi, a aurora rompia. Olhei para fora e me surpreendi: a rua estava seca e pálidas estrelas rareavam num céu sem nuvem. Afastando-me da janela, vi, à luz da lâmpada, uma pequena fotografia de mim criança, que pertencia a Paul Rée. Ela estava colocada num pedaço de papel dobrado onde li: Tem piedade, não procura."
Lou, um ano depois da partida do amigo, registrou em seu diário sobre a falta que Rée lhe fazia. Sonhava sempre com ele e chorava.
Lou, um ano depois da partida do amigo, registrou em seu diário sobre a falta que Rée lhe fazia. Sonhava sempre com ele e chorava.
"Às vezes acontece que os meus gestos ou as minhas palavras se assemelham aos teus – sem o querer, por acaso – sinto sempre nesses momentos que me és querido. Lembro-me que um dia, a meio de uma briga me disseste com um misto de bondade e ironia: "se nós brigássemos de verdade e anos depois por acaso a gente se encontrasse – que felicidade seria para os dois!" E teus olhos se encheram de lágrimas. Penso muito nisso actualmente e me digo: Sim, sim."
Nos primeiros anos de casada, Lou escreveu Personagens femininos de Ibsen. Na introdução, ela contou a história de patos selvagens, que ignoravam o que seria o mundo fora do ambiente em que foram criados – um sótão. No outono, um deles sentiu que a natureza o chamava e partiu. Outro, conformado, vivia a sonhar. Um terceiro, que havia chegado ao sótão ferido, renunciou à liberdade anterior. Um quarto pato selvagem morreu de remorso por ter maltratado os outros. Outro, diante da possibilidade de fuga, terminou renunciando a ela. O sexto, não teve coragem de ir definitivamente, mas não se conformava com o confinamento, representando talvez a própria autora. Após o sucesso desse livro, Lou começou a escrever com mais frequência. Em 1894 escreveu Friedrich Nietzsche em sua obra e, em 1895, o romance Ruth.Também em 1895, Lou conheceu o médico vienense Friedrich Pineles, que tinha então 27 anos. Pelo que parece, este foi o homem que desvirginou Lou. Essa ligação durou cerca de doze anos. Toda vez que Lou ia a Viena, hospedava-se na casa de Pineles. Este insistia sempre em que ela pedisse o divórcio para que pudessem realizar o casamento. Em maio de 1897, Lou foi apresentada ao poeta René-Marie Rilke, quatorze anos mais jovem que ela. No dia seguinte, ele escreveu um bilhete, contando que era o autor de poemas anónimos que Lou estava recebendo e que considerava que a havia conhecido meses antes da noite anterior, quando leu o ensaio escrito por ela, chamado Jesus o judeu. Pediu, então, para conhecê-la melhor. Nos dias que se seguiram, Rilke continuou assediando Lou, através de cartas, telegramas e bilhetes.
"Ontem ao meio-dia havia bastante sol para dourar todo um reino – mesmo um reino pobre e não muito pequeno. Mas o ouro apenas não basta. Eu estava muito triste. Errei, algumas rosas na mão, pela cidade e à entrada do jardim inglês, para lhe oferecer estas rosas. Sim, em vez de as depositar diante da porta de chave dourada, carreguei-as comigo por toda a parte, tremendo com a necessidade de encontrá-la em algum lugar. Entretanto, foi mais ou menos quando se joga uma carta ao mar, para que as vagas a conduzam até as margens do amigo para quem se destinou. A carta está certa de se perder ao largo e afundar. O mesmo com minhas rosas. Ao meio-dia, quando abandonei estas buscas e vi o rosto triste das pálidas flores, a angústia dolorosa da solidão me invadiu."
A abundante correspondência entre os dois só terminou com a morte de Rilke: 134 cartas e bilhetes de Rilke e 65 de Lou. A passagem de Lou na vida de Rilke foi de fundamental importância para o crescimento do poeta – ela lhe ensinou a buscar a essência das coisas. E Lou, pela primeira vez em sua vida, encontrou um homem que a atraía intelectualmente e fisicamente.
"Ontem ao meio-dia havia bastante sol para dourar todo um reino – mesmo um reino pobre e não muito pequeno. Mas o ouro apenas não basta. Eu estava muito triste. Errei, algumas rosas na mão, pela cidade e à entrada do jardim inglês, para lhe oferecer estas rosas. Sim, em vez de as depositar diante da porta de chave dourada, carreguei-as comigo por toda a parte, tremendo com a necessidade de encontrá-la em algum lugar. Entretanto, foi mais ou menos quando se joga uma carta ao mar, para que as vagas a conduzam até as margens do amigo para quem se destinou. A carta está certa de se perder ao largo e afundar. O mesmo com minhas rosas. Ao meio-dia, quando abandonei estas buscas e vi o rosto triste das pálidas flores, a angústia dolorosa da solidão me invadiu."
A abundante correspondência entre os dois só terminou com a morte de Rilke: 134 cartas e bilhetes de Rilke e 65 de Lou. A passagem de Lou na vida de Rilke foi de fundamental importância para o crescimento do poeta – ela lhe ensinou a buscar a essência das coisas. E Lou, pela primeira vez em sua vida, encontrou um homem que a atraía intelectualmente e fisicamente.
Algumas semanas depois do primeiro encontro, alugaram uma casinha nos arredores de Berlim. Logo depois se mudaram para uma espécie de granja, numa colina, em Wolfratshausen. Ficaram ali durante o verão e receberam Andreas no outono. Enquanto este passava horas trancado no quarto estudando, Lou e Rilke passeavam pela floresta, discutindo os projetos de vida. Foi Lou quem decidiu que o nome René-Marie era muito feminino, mudando-o para Rainer Maria. Em abril de 1899 Lou, Andreas e Rilke foram para a Rússia. Passaram uma semana em Moscou, onde foram recebidos por Tolstoi durante duas horas. Depois, dirigiram-se para São Petersburgo, onde Rilke conheceu a família de Lou. A redescoberta do país natal ao lado do homem amado fizeram com que Lou desabrochasse por completo: "Hoje posso ser o que os outros são aos dezoito anos, hoje posso ser eu mesma". Quanto a Rilke, começou a produzir de modo intenso.
Depois de dois meses, o trio retornou para a Alemanha. Mas, a experiência da viagem foi tão marcante, que nova viagem à Rússia aconteceu um ano depois, desta vez sem a presença de Andreas. Rilke sentiu o amor pelo país de Lou mais vivo. Reencontraram Tolstoi, mas desta vez este mostrou-se distante, inclusive criticando negativamente a poesia. Atravessaram o país, vendo paisagens encantadoras. Eram recebidos por camponeses, que davam lições de simplicidade, absorvidas com prazer por ambos. Tentaram rever a família de Lou em São Petersburgo, mas estavam na residência de verão, na Finlândia. Lou decidiu partir para a Alemanha e deixou Rilke sozinho na cidade natal. Na verdade, Lou estava um pouco apreensiva com os estranhos acessos de depressão e exaltação de Rilke. Sentia que o poeta deveria conquistar sozinho o domínio de si mesmo.Longe de Lou, Rilke resolveu passar algumas semanas na casa de um amigo. Foi quando conheceu Clara Westhoff, uma escultora aluna de Rodin. Ele a pediu em casamento, surpreendendo Lou, que lhe escreveu uma carta alguns dias antes das núpcias. "Agora que tudo é sol e calma ao redor de mim e que o fruto da vida conquistou sua redondeza madura e doce, a lembrança que nos é certamente ainda cara a nós dois daquele dia de Waltershausen, em que vim a ti como uma mãe, me impõe uma última obrigação (...) Se te aventuras livre no desconhecido só serás responsável por ti mesmo".
Pouco depois, recebeu o seguinte poema escrito por Rilke:
"Permaneço no escuro como um cego
Porque meus olhos não te encontram mais
A faina turva dos dias para mim não é mais que uma cortina que te dissimula.
Olho-a, esperando que se erga esta cortina atrás da qual há minha vida a substância e a própria lei da minha vida e, apesar disso, minha morte.
Tu me abraçavas, não por desrazão mas como a mão do oleiro contra o barro
A mão que tem poder de criação.
Ela sonhava de algum modo modelar – depois se cansou, se afrouxou deixou-me cair e me quebrei.
Eras para mim a mais maternal das mulheres, eras um amigo como são os homens, eras, a te olhar, mulher realmente, mas também, muitas vezes, criança.
Eras o que conheci de mais terno e mais duro com que tenho lutado.
Eras a altura que me abençoou – te fizeste abismo e naufraguei."
Depois de dois meses, o trio retornou para a Alemanha. Mas, a experiência da viagem foi tão marcante, que nova viagem à Rússia aconteceu um ano depois, desta vez sem a presença de Andreas. Rilke sentiu o amor pelo país de Lou mais vivo. Reencontraram Tolstoi, mas desta vez este mostrou-se distante, inclusive criticando negativamente a poesia. Atravessaram o país, vendo paisagens encantadoras. Eram recebidos por camponeses, que davam lições de simplicidade, absorvidas com prazer por ambos. Tentaram rever a família de Lou em São Petersburgo, mas estavam na residência de verão, na Finlândia. Lou decidiu partir para a Alemanha e deixou Rilke sozinho na cidade natal. Na verdade, Lou estava um pouco apreensiva com os estranhos acessos de depressão e exaltação de Rilke. Sentia que o poeta deveria conquistar sozinho o domínio de si mesmo.Longe de Lou, Rilke resolveu passar algumas semanas na casa de um amigo. Foi quando conheceu Clara Westhoff, uma escultora aluna de Rodin. Ele a pediu em casamento, surpreendendo Lou, que lhe escreveu uma carta alguns dias antes das núpcias. "Agora que tudo é sol e calma ao redor de mim e que o fruto da vida conquistou sua redondeza madura e doce, a lembrança que nos é certamente ainda cara a nós dois daquele dia de Waltershausen, em que vim a ti como uma mãe, me impõe uma última obrigação (...) Se te aventuras livre no desconhecido só serás responsável por ti mesmo".
Pouco depois, recebeu o seguinte poema escrito por Rilke:
"Permaneço no escuro como um cego
Porque meus olhos não te encontram mais
A faina turva dos dias para mim não é mais que uma cortina que te dissimula.
Olho-a, esperando que se erga esta cortina atrás da qual há minha vida a substância e a própria lei da minha vida e, apesar disso, minha morte.
Tu me abraçavas, não por desrazão mas como a mão do oleiro contra o barro
A mão que tem poder de criação.
Ela sonhava de algum modo modelar – depois se cansou, se afrouxou deixou-me cair e me quebrei.
Eras para mim a mais maternal das mulheres, eras um amigo como são os homens, eras, a te olhar, mulher realmente, mas também, muitas vezes, criança.
Eras o que conheci de mais terno e mais duro com que tenho lutado.
Eras a altura que me abençoou – te fizeste abismo e naufraguei."
Rilke casou-se com Clara em março de 1901, facto que não interrompeu a correspondência com Lou. Escrevia sempre, contando as alegrias e tristezas, aconselhando-se, buscando apoio, enviando poemas para críticas. "Ninguém me conhece como tu", escrevia Rilke. O poeta amadurecia, mas o homem permanecia carente de conselhos e protecção.No mesmo ano do casamento de Rilke, aconteceu a morte de Paul Rée – uma morte com a qual Lou sofreu pelo resto da vida, sentindo-se de certa forma responsável, pois pairava a suspeita de suicídio. Pineles, consultado sobre o abatimento de Lou, recomendou-lhe repouso e passeios. Foram juntos para o Tirol, onde Lou descobriu-se grávida. Pineles decidiu contar para Andreas, desejando que ele concedesse o divórcio. Lou não permitiu, alegando que Andreas poderia atentar contra a vida do médico. Mas, a gravidez foi interrompida como conseqüência de uma queda sofrida por Lou ao colher maçãs. Foi o início do enfraquecimento da relação entre os dois, a qual durou alguns anos mais.
Essas experiências levaram Lou a reflectir sobre o amor e o sexo.
Essas experiências levaram Lou a reflectir sobre o amor e o sexo.
Ela publicou em 1902 um livro de contos, Na zona crepuscular e em 1910 o ensaio denominado "O erotismo." Na base do erotismo está a sexualidade, lembra Lou, e ela é uma forma de necessidade física, como a fome, a sede ou qualquer outra forma de manifestação de vida de nosso corpo. Como ainda se conhece pouco – não esqueçamos que o artigo é de 1910 – parte do mecanismo que a produz, isto é, as glândulas de secreção interna, não podemos nos dar conta da influência da sexualidade sobre a totalidade do indivíduo, mesmo quando a actividade sexual dirigida para o exterior desaparece, como, e Lou cita exemplos, quando se elimina a matriz ou o membro viril e nesses casos os ovários e testículos permanecem, fazendo com que não desapareçam os caracteres sexuais secundários. A pulsão sexual pode ser um elemento de estímulo na totalidade da vida dos sentidos, escreve Lou, lembrando o caso de jovens doentes para os quais a experiência da sexualidade foi factor de cura, ou de moças anémicas que desabrocharam, mesmo num casamento não desejado, adquirindo forças sob a influência de modificações em seu metabolismo."
Durante a primeira grande guerra, Lou estava na Alemanha, ao lado de Andreas. Dificuldades financeiras, notícias de mortes de parentes e amigos, acontecimentos tristes... Embora perturbada, Lou conservava seu característico optimismo, o qual Freud tanto admirava.
A Revolução de Outubro de 1917 fez com que Lou perdesse a pensão que recebia do governo russo, por ser filha de general, que a ajudou a manter-se durante tantos anos. Soube que a família foi obrigada a compartilhar a residência com os empregados. Essas novas experiências pelas quais passava o país natal fizeram nascer em Lou a nostalgia, que ela retratou no livro escrito em 1923 – Rodinka (A pequena pátria), dedicado a Anna Freud. Os anos foram passando e Lou foi dividindo o seu tempo entre congressos, reuniões sobre psicanálise e seus pacientes, além de escrever artigos para revistas especializadas.
Em 1928, dois anos após a morte de Rilke, ela escreveu a biografia do poeta. Em 1931, tornou pública sua gratidão para com Freud, publicando o livro Carta aberta a Freud,
quando este completava 75 anos. Nesse livro, através de uma suposta conversa com o amigo, ela contou suas experiências como analista e abordou questões colocadas pela psicanálise. Andreas morreu ao 85 anos e Lou começou a sofrer de diabetes. Ela presenciou a Alemanha enlouquecendo com as idéias de Hitler, que não simpatizava com Freud.
Os amigos aconselharam-na em vão a mudar-se do país. Com problemas de visão, consequência do agravamento do diabetes, pediu ajuda ao amigo fiel da última fase da vida, Ernest Pfeiffer. Entregou a ele todos os seus papéis e correspondência para que os publicasse postumamente. Na noite de 5 de fevereiro de 1937, morreu durante o sono. Foi cremada e suas cinzas foram depositadas no túmulo de Andreas .
Dias depois da morte, a Gestapo confiscou seus livros e papéis, por considerar a psicanálise um ciência judaica.Postumamente, Ernest Pfeiffer publicou quatro livros de Lou, incluindo a autobiografia intitulada Revendo minha vida.
IM:Blogue Lou Salomé
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