ops

Dienstag, 30. Juni 2009

Wortes uber Stadte

Londres

Vagueio por estas ruas violadas,
Do violado Tamisa ao derredor,
E noto em todas as faces encontradas
Sinais de fraqueza e sinais de dor.
Em toda a revolta do Homem que chora,
Na Criança que grita o pavor que sente,
Em todas as vozes na proibição da hora,
Escuto o som das algemas da mente.
Dos Limpa-chaminés o choro triste
As negras Igrejas atormenta;
E do pobre Soldado o suspiro que persiste
Escorre em sangue p'los Palácios que sustenta.
Mas nas ruas da noite aquilo que ouço mais
É da jovem Prostituta o seu fadário,
Maldiz do tenro Filho os tristes ais,
E do Matrimónio insulta o carro funerário.
William Blake, in "Canções da Experiência" Tradução de Hélio Osvaldo Alves

Sonntag, 28. Juni 2009

musics auf Städte

Oração de Mãe Menininha Dorival Caymmi

Ai, minha mãe Minha mãe, Menininha Ai, minha mãe Menininha do Gantois(Bis)
A estrela mais linda, hein? Tá no Gantois E o sol mais brilhante, hein? Tá no Gantois A beleza do mundo, hein? Tá no Gantois E a mão da doçura, hein? Tá no GantoisO consolo da gente, ai Tá no Gantois E a Oxum mais bonita, hein?Tá no Gantois
Olorum quem mandou essa filha de OxumTomar conta da gente e de tudo cuidar Olorum quem mandou ê ô, ora iê iê ôÊ ô, ora iê iê ô

Freitag, 26. Juni 2009

Donnerstag, 25. Juni 2009

Wortes uber Stadte

LONDRES

nunca cheguei a escrever um poema sobre
a cidade ser à noite um carrossel de luzes.
nem outro sobre a fotografia onde fiquei com ar
envergonhado.
ou sobre o frio e o passeio por Hyde Park, onde
pássaros vieram comer às tuas mãos
e eu deixei fugir alguns versos
só para te poder fotografar.
ou sobre
a casa estilo vitoriano, que prometeu
ocultar todas as palavras que dissemos
um ao outro, quando ao deitar
nos encolhíamos debaixo de
vários cobertores e mesmo assim
tínhamos frio.
ou o definitivo,
aquele que falaria sobre Greenwich
e o meridiano que me ensinou a importância
do tempo que sempre falta, principalmente
quando numa das pontes quis dizer amo-te,
mas havia um autocarro para
apanhar.
e era já o último.

manuel a. domingos in mapa

musics auf Städte



Um mimo à Susana

Mittwoch, 24. Juni 2009

Samstag, 20. Juni 2009

Wortes uber Stadte

Os Pássaros de Londres

Os pássaros de Londres cantam todo o inverno como se o frio fosse o maior aconchego nos parques arrancados ao trânsito automóvel nas ruas da neve negra sob um céu sempre duro os pássaros de Londres falam de esplendor com que se ergue o estio e a lua se derrama por praças tão sem cor que parecem de pano em jardins germinando sob mantos de gelo como se gelo fora o linho mais bordado ou em casas como aquela onde Rimbaud comeu e dormiu e estendeu a vida desesperada estreita faixa amarela espécie de paralela entre o tudo e o nada os pássaros de Londres quando termina o dia e o sol consegue um pouco abraçar a cidade à luz razante e forte que dura dois minutos nas árvores que surgem subitamente imensas no ouro verde e negro que é sua densidade ou nos muros sem fim dos bairros deserdados onde não sabes não se vida rogo amor algum dia erguerão do pavimento cínzeo algum claro limite os pássaros de Londres cumprem o seu dever de cidadãos britânicos que nunca nunca viram os céus mediterrânicos Mário Cesariny, in "Poemas de Londres"

Diário gráfico

First time I saw you
2009 Diário gráfico

Wortes uber Stadte

Na Véspera de não Partir Nunca

Na véspera de não partir nunca Ao menos não há que arrumar malas Nem que fazer planos em papel, Com acompanhamento involuntário de esquecimentos, Para o partir ainda livre do dia seguinte. Não há que fazer nada Na véspera de não partir nunca. Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego! Grande tranqüilidade a que nem sabe encolher ombros Por isto tudo, ter pensado o tudo É o ter chegado deliberadamente a nada. Grande alegria de não ter precisão de ser alegre, Como uma oportunidade virada do avesso. Há quantas vezes vivo A vida vegetativa do pensamento! Todos os dias sine linea Sossego, sim, sossego... Grande tranqüilidade... Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas! Que prazer olhar para as malas fítando como para nada! Dormita, alma, dormita! Aproveita, dormita! Dormita! É pouco o tempo que tens! Dormita! É a véspera de não partir nunca!
Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa

Dienstag, 16. Juni 2009

musics auf Städte



Um mimo a Paul

seitens der Städte

seitens der Städte.. WIEN: Hermannn Broch

Hermann Broch
(1º de novembro de 1886, Viena, Áustria30 de maio de 1951, New Haven, Connecticut) foi um escritor austríaco do século XX, considerado um dos maiores modernistas de todos os tempos.

Broch nasceu em
Viena, Áustria de uma família judaica e trabalho por um tempo na fábrica de sua família, embora ele tivesse mantido seus interesses literários ocultos.

Ele esava predetinado a trabalhar na fábria têxtil de seu pai em Teesdorf, portanto, ele fez parte de uma escola técnica para manufatura têxtil e um colégio de fiação e tecelagem.
Em
1909, casou-se com Franziska von Rothermann, a filha de um fabricante fidalgo. No próximo ano,seu filho, Hermann Friedrich Maria nasceu. Depois, Broch começou a demonstrar interesse em outra mulher e seu casamento acabou em divórcio em 1923.
Ele estava familiaizado com Robert Musil, Rainer Maria Rilke, Elias Canetti, Franz Blei, seu amigo escritor e ex-modelo nu Ea von Allesch e muitos outros. Em
1927 ele vendeu a fábrica têxtil e decicidu estudar matemática, filosofia e psicologia na Universidade de Viena. Ele embarcou na carreira literária apenas em torno ds 40 anos de idade. Aos 45, ele publicou sua primeira novela, The Sleepwalkers.
Com a
anexação da Áustria pelos Nazistas (1938), Broch foi preso, porém um movimento organizado por amigos - incluindo James Joyce - conseguiu tê-lo libertado e autorizado a emigrar, primeiro para o Reino Unido, depois para os Estados Unidos , onde ele finalmente terminou seu romance The Death of Virgil e começou a trabalhar, igual Elias Canetti, em um um ensaio sobre o comportamento dos grupos sociais, no qual permaneceu inacabado. Após isso, conversteu-se ao Catolicismo.
Hermann Broch morreu em 1951 em New Haven, Connecticut. Ele está enterrado em Killingworth, Connecticut, no cemitério Roast Meat Hill Road. Foi nomeado também, para o Prêmio Nobel de Literatura.



Regulada pela mais absoluta coerência entre vida, arte e acção, a vida de Hermann Broch, escritor, poeta, político, ensaísta, industrial, configurou-se como uma tensão constante entre as várias categorias do conhecimento sobre as quais reflectiu. Este artigo procura definir os contornos de que se revestiu a sua vivência complexa e árdua, as suas relações com o poder e a sua análise dos valores, contextualizar a sua obra, e, sobretudo, compreender os elos que lhe determinaram a vida e a obra, centrando-se numa análise das suas obras mais importantes: Os Sonâmbulos e A Morte de Virgílio.
“ (...) tanto mais poderoso e esquivo se tornava o verbo, um mar pairando, um fogo pairando, pesado como o mar e leve como o mar, mas sempre Verbo: não era capaz de o reter, e não o devia reter; o verbo tornara-se, para ele, inconcebível e inexprimível, pois estava para lá da linguagem.”

Broch, Hermann, A Morte de Virgílio, p.277 (tradução portuguesa).


Dele disse Hannah Arendt ter sido um poeta “à sua própria revelia” . O facto de ter por destino ser poeta e de não querer sê-lo, transformou-se num dos conflitos centrais da sua vida, inspirando-lhe, ainda, a intriga dramática da sua obra-prima A Morte de Virgílio. Não se tratava de um conflito psicológico ou, mesmo, de uma tensão entre capacidades, pois sabemos como Broch era parente próximo do génio goethiano e a que sua obra assentava sobre a tríade, constituída pelos pólos Literatura, Conhecimento e Acção. Mas a publicação da sua obra literária – no seu conjunto – coincidiu com o aparecimento dos campos de extermínio e o escritor dava primazia absoluta ao domínio da acção sobre os campos da literatura e do conhecimento. Ele jamais poria em causa, fosse qual fosse a situação, o primado absoluto e inviolável da acção. Por isso, obrigou-se a si próprio a interromper a escrita, não por razões meramente pessoais, mas para cumprir esse imperativo ético com que se deparou. Tornara-se indispensável a sua acção política, para ajudar as hordas de refugiados que, diariamente, chegavam aos Estados Unidos. Nessa época, nesse confronto entre actividade teorética e contemplativa e a acção política, suspende a sua actividade, enquanto questiona a sua função de artista no século XX, aquele que ele considerava o “da mais negra anarquia, do mais negro atavismo, da mais negra crueldade” . Todavia, essa tensão constante, entre literatura, conhecimento e acção afectavam-no de um modo permanente, no seu trabalho quotidiano.

Disso nos dá testemunho a sua Autobiografia Psíquica, num retrato desenhado com as cores cruas e objectivas da realidade que viveu.Hermann Broch nasceu em 1886, em Viena, filho de Joseph Broch, grossista em têxteis, saído de uma família judaica e pobre da Moravia, e de Johanna Broch, nascida Schnabel, igualmente judia e filha de um grossista de cabedais, em Viena. Tinha um irmão e as suas lembranças da sua infância são descritas sumariamente em Autobiografia Psíquica como a de uma criança solitária com uma infância desprovida de afecto e impregnada de uma culpabilidade que o haveria de marcar para o resto da vida. A mãe, de temperamento profundamente nevrótico, era uma mulher ríspida para com os filhos, deixando-lhe, além desses traços nevróticos de que fala na sua Autobiografia, uma imagem de mulher-modelo que iria, para sempre, ocupar o centro da sua vida sentimental. O pai, com o seu temperamento rígido e materialista, irritável e violento, anti-intelectual e arrivista por excelência, desprovido de “todo o sentido moral” e totalmente fechado em si, possuía uma certa bonomia, apenas aparente e superficial, que lhe conferia um charme inegável. Em Viena, Joseph Broch era conhecido por “tio Pepi” e frequentava assiduamente bordéis masculinos. A mulher, Johana, fechava os olhos aos hábitos do marido, mas o seu temperamento ia-se agravando, ao longo dos anos, e pioravam também as suas doenças psicossomáticas.Para ele e à boa maneira burguesa (que Broch tanto detestou e criticou), os pais haviam pensado num futuro de industrial e, de facto, Broch prossegue os seus estudos em engenharia têxtil, mas inscreve-se simultaneamente na Universidade de Viena, onde segue igualmente os cursos de filosofia, de matemática e de física, nos anos de 1904 e 1905. Por volta de 1909, tendo já terminado o curso e estando a trabalhar como assistente da direcção de uma fábrica de têxteis, interrompe e empreende, como voluntário e durante um ano, a sua preparação militar, porém, é obrigado a sair por razões de saúde. Em Julho desse mesmo ano, converte-se ao catolicismo e no Outono desse ano, ainda, torna-se membro do conselho de administração da fábrica familiar, desposando Franziska von Rothermann, filha de um fabricante de açúcar. Todos os seus actos de revolta e de libertação –lembrando, ainda, a sua (igualmente trágica) proximidade com a culpabilidade de Kafka, a esse propósito – a rejeição da fé paternal, conversão religiosa, casamento, actividades literárias, foram sempre acompanhados de um profundo sentimento de má consciência: por mais que se rebelasse e afastasse, Broch sentia-se sempre culpado, procurando expiar a sua culpa. Desde 1909, procura expurgar a sua revolta, legitimando-a na substituição do que ele considerava as “ociosidades” por escritos teóricos e fragmentários sobre a cultura da época. E essa presença fantasmática e pairante da ética haveria de persegui-lo, durante toda a sua vida, como a sua própria sombra.

O esquema psíquico (que ele reconhece, ao fim e ao cabo de anos de psicanálise), permaneceria mais ou menos imutável, ao longo de toda a sua vida e obra: revolta – esforço de fuga – culpabilidade – fracasso no esforço – expiação. E esse “esquema”, sabemo-lo por aquilo que Broch nos confessou na sua Autobiografia, era tão apertado que, sem a psicanálise, Broch jamais seria capaz de ultrapassar a culpabilidade asfixiante com que se debatia e escrever. Escrever manteve-o vivo, insuflando-lhe nas veias a vida que nunca soube ter. Embora seja já um lugar-comum dizer que o autor começou a publicar tarde, é, no entanto, de 1908/1909 que datam os seus primeiros escritos.

Em 1910, Broch dedica ao famoso arquitecto Adolf Loos um estudo e diversas sugestões para uma Estética sistemática.

Estes escritos de juventude não serão publicados senão após a sua morte, na edição crítica da sua obra completa. É apenas em 1913, na revista Der Brenner de Insbruck e sob a direcção de Ludwig von Ficker, que Broch publicará os seus primeiros escritos. De 1914 a 1917, já como director da fábrica e dirigindo, ainda, um hospital da Cruz Vermelha, continua a publicar diversas críticas de livros, escreve uma série de sonetos, colaborando na revista alemã Die Aktion, de cariz pacifista, e começa a frequentar os meios literários de Viena. A amizade une-o a Franz Blei, que dirige a revista Summa, com a qual ele colabora, a Gina Kaus e Robert Musil.


A partir de 1918, as suas amizades incluíram Milena Jesenka (a famosa amiga de Kafka), Edit Renyi e Ea von Allesch (com quem viverá, posteriormente, uma relação durante quase dez anos). Continua a sua colaboração com Die Aktion e Summa e de 1919 a 1921, conhece Georg Luckacs, Karl Mannheim, Bela Balasz, escrevendo para revistas prestigiadas como Die Moderne Welt, Der Friede, Der Neue Tag, Die Neue Rundschau, Die Rettung e Prager Presse, entre outras. Enquanto isso, estuda matemáticas, sob a direcção de Ludwig Hofmann. Em 1922, Broch publica em Prager Presse e em Kantsutdien recensões e críticas de livros consagradas à revolução na dialéctica hegeliana e ao pensamento de Marx e Engels. Passados alguns meses, em Abril de 1923, divorcia-se de Franziska e dedica-se, cada vez mais, às suas responsabilidades de industrial. Porém, durante os anos de 1925 e 1926, Broch empreende estudos de filosofia (o positivismo lógico do Círculo de Viena), de matemáticas e de física na Universidade de Viena, sob a direcção dos reputadíssimos Moritz Schlick, Rudolf Carnap, Wirtinger e Hans Hahn. A amizade desse tempo liga-o a Karl Bühler e frequenta os brilhantes e intelectuais salões vienenses de Genia Schwarzwald, Bertha Zuckerkandl e Alma Mahler-Werfel. É nesta altura que Hermann Broch sente a necessidade de se voltar para a literatura e para a possibilidade de exprimir ideias com que a filosofia não pode ocupar-se de plena legitimidade. Jamais encontramos nele um escritor unicamente preocupado em questões ou pulsões de ordem estética. Quase sempre os seus romances escondem a “pretensão epistemológica”, expressão que ele próprio encontra para designar as suas obras. No entanto, ela não pode induzir-nos em erro.


Broch não é um ensaísta ou um filósofo dissimulado, que “fala” através dos seus personagens, mas um escritor nato e a sua escrita, patenteando a mais intensa atenção ao pormenor e ao desenho das suas figuras, fá-las encarnar as suas ideias. E o modo como o consegue é original, pois permite que desapareça essa estabilidade inquebrantável a que o realismo literário nos habituou, rompendo com as regras previamente estabelecidas e os cânones do romance , tão ao gosto burguês da época. Ele nunca descreve directamente a realidade externa ou interna, mas o fluxo da consciência de cada uma das personagens, de tal maneira que o mundo e a realidade aparecem como um conjunto de objectos intencional, numa relação com cada figura que, aí, se desenha. É a partir dessa relação intencional que se desenha o campo subjectivo e emocional de cada uma das suas personagens, numa constante procura de uma experiência, apesar de subjectivamente determinada, construída como um continuum temporal que define a coerência da sua concepção do mundo.Por outro lado, mesmo quando Broch é atraído pela tentação de contar histórias, jamais perde a pujança criadora que o caracteriza e que pouquíssimos escritores contemporâneos conseguirão igualar. O romance – na concepção que ele defende - tem, para ele, essa capacidade de apreender o umbral da irracionalidade, aquilo com que a ciência já não pode ocupar-se, como se pode ler no «prospectus metodológico» do primeiro livro, em que escreve ao seu editor: “ (...) ele [o romance] abraça todo o domínio da experiência irracional, em particular da zona-fronteira em que o irracional se manifesta como acto, tornando-se assim exprimível ou representável”. Mediador entre a ordem do representável, apresentação concreta do irrepresentável – e, no seu caso, do irracional – , o romance consubstancializa esse trilho que permite o acesso ao umbral sagrado da linguagem, nisso que ela contém de fundante. É disso que Broch nos fala, ao reclamar para a poesia um estatuto de mythos que jamais poderá ser encontrado em qualquer outro domínio do conhecimento humano. Em 1927, Broch decide vender a fábrica de Teesdorf e inicia psicanálise com Hedwig Schaxel, conhecendo, por esta altura, Anna Herzog.

No ano seguinte e durante os dois anos que se seguirão, empreende a criação do seu romance Os Sonâmbulos, começando pelo volume intitulado Huguenau, que será, de facto, o último da trilogia. Durante essa época, escreve e publica também alguns artigos de carácter estritamente filosófico. Hannah Arendt sublinha que a maior virtude desta obra se encontra no facto de ela representar, de um modo singular, a crise do romance enquanto forma artística . Ao longo dos três volumes que a constituem, compreende uma diversidade de registos que conformam o próprio ritmo do seu pensamento, indo de um lirismo acentuado à mais pura abstracção do ensaio. O sopro que a percorre define exemplarmente a natureza do escritor, na sua busca obsessiva de totalidade e de simultaneidade. Enquanto trilogia, pode-se distinguir a obra em três momentos particulares e três datas correspondentes: 1888 e a dissolução romântica do mundo antigo, 1903 e a confusão anárquica anterior à guerra, 1918 e o niilismo tornado activo na história. O desenvolvimento e articulação entre esses três momentos decisivos deixam bem à vista as características, não puramente descritivas e factuais, que assinalam a desagregação dos valores. Como o próprio nome do romance o indica, Os Sonâmbulos são indivíduos que existem num estado de epoché entre dois sistemas ou dois ciclos de realidade, do mesmo modo que o sonâmbulo vive entre o sono e a realidade, participando dessas duas ordens. Os sonâmbulos de Broch procuram, a todo o momento, libertar-se dos códigos éticos do passado, em que já não acreditam, mas mergulhados, ainda, num mundo de que fazem parte. Protagonizam situações-limite, nas quais a intrusão do elemento irracional se torna permanente e irrompe, sob a sua forma pulsional. Imersos nos seus ideais, são personagens que inscrevem/escrevem no seu próprio corpo o sentido da sua busca e o seu destino, configurando-se como personagens trágicas por excelência. Quase sempre este jogo entre realidade e onírico está presente, aproximando Broch do universo kafkiano.

Na verdade, toda a filosofia contemporânea lhe parece pecar por insuficiência, negligenciando a vastidão dos «territórios» humanos: a metafísica, o irracional o ético. Daí que o modo mais adequado que Broch parece ter encontrado para reflectir sobre esses domínios seja a ficção e só a escrita criativa lhe permita ampliar e distender o conhecimento e, mesmo, ousar abarcá-lo. Como toda a observação é “dinamitada” pelo relativismo, Broch defendeu a ideia (que sempre o fascinou) de que, para apresentar uma ideia, era necessário igualmente apresentar a personalidade daquele que a pensava. Deste modo, o sujeito da observação devia ser projectado no campo da observação, enquanto “objecto de observação”. Em 1930 Broch assina um contrato de publicação dos Sonâmbulos com Daniel Brody, o director da Rhein Verlag de Munique e Zurique. O primeiro volume, Pasenow ou o Romantismo: 1888 é publicado em 1930, o segundo volume, Esch ou a Anarquia: 1905, em 1931. Em 1932, os primeiros volumes da trilogia serão aclamados pela crítica, mas estão longe de ser um sucesso de venda. Em Abril, dá uma conferência intitulada «James Joyce e a actualidade», que viria a ser incluída na sua obra Criação Literária e Conhecimento. Neste ensaio, a literatura ainda é concebida como “tarefa mítica e acção mítica”, enquanto que no estudo sobre Hofsmanthal, escrito doze anos mais tarde, até mesmo a inigualável obra de Dante dificilmente será considerada como mítica. O ensaio sobre Joyce, escrito no mesmo estado de espírito que irrompe nos ritmos líricos e musicais de A Morte de Virgílio, termina com a esperança de um “novo mythos”, um mundo que se “ordenasse de novo” e viesse coroar o ímpeto literário de uma determinada época. Ainda nesse mesmo ano de 1932, será publicado o terceiro volume dos Sonâmbulos, intitulado Huguenau ou a Objectividade: 1918. Entretanto, redige ainda vários artigos críticos para a Die Literarische Welt. A sua peça de teatro, Die Entsühnung, é finalmente representada em Zurique (em 1934) e durante esse tempo Broch continua a escrever artigos de crítica literária para as mais diversas publicações, facto que o coloca na primeira linha da vanguarda dos escritores de língua alemã. É nesta época, ainda livre dos sobressaltos da guerra, que Broch concentrará a sua atenção no desenvolvimento da sua teoria dos valores. A TEORIA DOS VALORES E A CRÍTICA AO KITSHBroch sofreu na pele a devastadora sonda nietszchiana, relativamente à teoria dos valores e podemos sabê-lo hoje, à luz dos seus ensaios e escritos dessa época.

Ele tinha plena consciência dessa dívida, relativamente a Nietszche, e a desintegração ou dissolução dos valores era, para ele, a consequência da secularização do Ocidente. Em todo esse processo havia-se dissipado a fé em Deus e havia, igualmente, ruído a concepção platónica do mundo, postulando um «valor» supremo, absoluto e não terreno, o qual conferia a todas as acções humanas um «valor» relativo e que se inscrevia numa hierarquia de valores. De acordo com esta visão empobrecida (Broch situa o início do declínio no final da Idade Média), cada um dos fragmentos que subsistiam da visão do mundo religiosa e platónica tinha, agora, a pretensão de se transformar em absoluto, situação que é responsável pela anarquia dos valores. O relativismo dos valores cria uma confusão tal que o homem desespera de aí encontrar o seu próprio lugar, bem assim como as suas referências axiológicas. Um exemplo desse relativismo, podemos encontrá-lo na idolatria da beleza e no crime perpetrado por Nero, ao incendiar Roma. Daí que, na nossa época, o Kitsh se converta na maior ameaça à arte, pelo que contém de insidiosamente sedutor e, simultaneamente, de vazio. Ele escapa ao sistema de valores que o controla e reifica-se, por isso, como «o mal no sistema de valores da arte» , pela sua deificação descontrolada. A questão torna-se mais clara se entendermos claramente que o mal radical se personifica, aos olhos de Broch, na figura do literato estetizante (categoria na qual incluía Nero, tal como o próprio Hitler). E a afirmação do mal na arte ocorre pelo poder de sedução que o Kitsh exerce, força demoníaca e que é, antes de mais, um fenómeno estético e atractivo, tomado no seu sentido mais amplo, pois esses “estetas” sacrificam tudo em nome de uma suposta harmonia e coerência, que se esforça por esconder o vazio dos valores em que assenta (todo o nazismo se converte no mais acabado exemplo do mal, dissimulado sobre a forma da beleza).

Seria inevitável que Broch visse no nazismo a figura do mal radical, tal como ele se perfilou no magistral Fausto de Mann ou nos romances de Hermann Hesse. Mas a questão que importa a Broch não é a estéril lamentação da morte e da guerra, da violência, o que, sem dúvida, dissolveria os seus esforços no mais banal dos clichés.O que nos assombra, de facto, é essa pergunta com que ele nos afronta e na qual remexerá ao longo de toda a sua vida: “Como é que o conhecimento poderia abolir a morte?” A outra, imediatamente decorrente da primeira, como uma espécie de desdobramento, e que supõe um antiquíssimo problema filosófico, é: “Como poderia um homem vir a conhecer tudo?” Tais questões, como as que lhe são adjacentes, arrastam-nos ao coração da sua teoria de conhecimento. Num exercício de clara dedução, a colocação da questão da possibilidade do conhecimento, no caso de Broch, não poderia senão reenviar-nos à reflexão sobre o tempo e a morte, centrais na sua obra, como as questões da totalidade e do absoluto, pois apenas o conhecimento, na perspectiva de Broch, permite abolir a finitude. Dessa forma de conhecimento que tudo deseja e abraça, resulta necessariamente a simultaneidade, abolindo a sucessão do tempo e, por conseguinte, da morte. Instaura-se, assim, na vida humana uma imagem de eternidade, imagem pairante e que confere um novo sentido ao vazio da vida, que era medida pelo tempo-sucessão. Trata-se de conseguir uma simultaneidade que transforme e opere sobre o tempo enquanto sucessão, transmutando-o em coexistência, onde o curso temporalmente estruturado do mundo e do seu fluxo empírico se apresente como imagem de totalidade, que fosse vista por um deus capaz de ver e tudo e tudo dar a ver, na sua simultaneidade.A ideia de um absoluto que gera, a partir de si, uma “imaginidade em si”; capaz de existir mesmo sem a presença de Deus, constitui um pressuposto equívoco e de natureza duvidosa, se analisado do ponto de vista epistemológico; é reforçado pela sua afirmação de um “absoluto terreno”, de costas voltadas para Deus. O facto de tais evidências (não menos imperiosas) só poderem ser expressas em proposições tautológicas não é, para Broch, motivo de descrédito. Se bem que elas possam não ser formalmente válidas, não perdem, no entanto, a sua validade “cognitiva”. Broch sempre teve uma consciência aguda da distinção entre este ponto de vista e a filosofia propriamente dita e, por isso, atribui à arte um poder de conhecimento superior ao da filosofia, pela sua capacidade de captar evidências e de possibilitar a abertura do homem à totalidade e ao devir, algo em que a filosofia revela, desde logo, a sua insuficiência. A objecção inicial à filosofia persiste sempre, pois ela não pode oferecer-lhe, dentro da sua lógica de cognição, quaisquer resultados definitivos, face às questões que Broch lhe coloca – a vitória sobre a mortalidade do eu, sobre a contingência e a anarquia dos valores, etc. Ela [filosofia] limita-se a colocar as perguntas a que, outrora, o mythos respondeu através da religião e da poesia. Daí que o misticismo se lhe apresente de modo incontornável na sua vida e na obra. E esse misticismo, que corresponde à exigência da totalidade do conhecimento, à superação da finitude e da morte, contaminará e irradiará como o mais potente caudal do lirismo poético que percorre a sua escrita.No estudo sobre Hofsmanthal, que será redigido mais tarde e no qual todas essas questões serão mais verticalmente reflectidas e Broch afirmará que ele aprendera com Goethe que “a poesia, para levar à purificação e à auto-identificação do homem, tem de mergulhar nas profundezas das antinomias humanas, ao contrário da filosofia, que se deixa ficar à beira do abismo e, sem arriscar o salto, se contenta com a mera análise do que viu.” E não era só para a filosofia que Broch guardava esse lugar de serventia, relativamente à literatura, quanto à validade e ao conteúdo do conhecimento, mas também para a ciência. Nessa época, Broch ainda podia afirmar que “o sistema cognitivo da ciência nunca atinge [ao contrário da arte] esse carácter absoluto da totalidade do mundo que, afinal, é a única coisa que importa”, enquanto “cada obra de arte é, por si só, o espelho de uma totalidade”.


Mais tarde, como se verá, essa concepção mudará radicalmente.Em 1936, Hermann Broch instala-se em Mösern, no Tirol, para se consagrar inteiramente no seu novo romance, O Sortilégio, enquanto traduz poemas de James Joyce e de T.S. Eliot para a língua alemã, publicando, ainda, uma nova versão do seu ensaio sobre Joyce, bem como um ensaio sobre Robert Musil. Essa obra será retomada no final da sua vida e permanecerá fragmentária. Finalmente, em 1937 Broch redige a primeira versão de A Morte de Virgílio, enquanto trabalha, ao mesmo tempo, na redacção de uma Declaração da Sociedade das Nações, condenando o fascismo e colabora com Hans Vlasics na redacção de uma série de máximas de carácter proverbial. Em 1938, trabalha já numa terceira versão da Morte de Virgílio, quando os nazis o vêm prender a 13 de Maio. Feito prisioneiro, ele continua a trabalhar no romance e é graças à intervenção de James Joyce e do romancista inglês Stephen Hudson, amigo e tradutor de Proust, que Broch obtém, no mês de Julho, um visa para Inglaterra e chega a Londres a 24 de Julho desse ano. Thomas Mann e Albert Einstein obtêm-lhe um visa para os Estados Unidos e ele chega a New York a 9 de Outubro. Em 1939 e a partir do mês de Abril, Broch vive com amigos no Connecticut, depois numa colónia de artistas, onde continua a trabalhar na Morte de Virgílio e encontra Jean Starr Untermeyer, que se torna a sua tradutora.

Colabora, também, com o príncipe Hubertus zu Loewenstein na organização duma ajuda aos refugiados vindos da Alemanha e dos países de língua alemã, invadidos por Hitler.A Fundação Guggenheim é sensível à sua condição de expatriado e concede-lhe uma bolsa de um ano, em 1940. A quarta versão da Morte de Virgílio é terminada e, em colaboração com o escritor italiano antifascista Giuseppe-Antonio Borgese, começa a redigir uma Declaração em favor de uma Democracia Mundial, a qual será publicada em 1941 e Broch ocupa-se, também, com Viktor Polzer, em obter visas de imigração para os refugiados vindos de França. Vive, então, em New York e em Cleveland Heights, no Estado de Ohio. Renovará, nessa época, as suas relações com Anne-Marie Maier-Graefe, que se tornará, mais tarde, a sua segunda esposa e empreende uma primeira versão da sua teoria sobre a psicologia das manifestações colectivas de loucura.Enquanto que a composição dos Sonâmbulos tinha sido feita por acréscimos sucessivos, numa elaboração arquitectónica, A Morte de Virgílio cresceu organicamente, por enriquecimento e desenvolvimento interno, à maneira de uma “ideia originária” que fosse encontrando a sua consubstancialização, nas suas formas particulares. Broch não designava esta obra como romance, mas antes como um poema lírico que se estende, com o seu fôlego admirável, ao longo de quinhentas páginas. A base de sustentação para o designar como um romance só poderia vir da tradição schlegeliana, para quem o romance seria entendido como tal unicamente num sentido lato, abraçando em si todas as formas poéticas. Construído como um poema sinfónico, na sua estrutura quaternária, todo o poema obedece à organicidade de cada um dos seus andamentos musicais internos. Cada uma das quatro secções tem um símbolo/elemento central (a água, o fogo, a terra e o éter), tal como um modo fundamental, concebido em termos musicais (andante, adagio, maestoso). A sua repetição e desenvolvimento são tratados conscientemente como variações musicais em torno da ideia da morte do poeta. No contexto deste «quadro sinfónico» que são as últimas dezoito horas da vida de Virgílio, o livro desenvolve-se de acordo com um ritmo distinto. Na «Chegada», Virgílio toma consciência dispersa da sua vida e entra em choque. Todo o ritmo é descrito de modo febril, expondo as mais diversas polaridades e contrastes. À medida que as memórias vão conquistando uma certa unidade e as suas impressões se unem à memória, nesse estado febril ( «A Descida»), ele dá-se conta, com terror, de que a sua vida inteira, bem como a sua obra, excluíram toda uma parte da sua existência. Aquilo que a primeira parte apresentava, nos seus contrastes visuais, e a segunda numa visão lírica interior – que aparece sob a forma da noite – a terceira parte, «A Expectativa», recapitula as discussões dialécticas entre Virgílio e os amigos. No último capítulo, «Regresso a Casa», todos estes elementos conflituais se resolvem numa visão grandiosa e unitária, enquanto Virgílio morre. É sobretudo na última parte que Broch exprime, além do intenso lirismo, a sua visão mística do mundo e da existência. Hannah Arendt sublinha mesmo a presença do panteísmo de Spinoza , chamando-nos a atenção para o modo como o particular e o concreto, nessa obra, não se desvelam senão como aspectos de um Todo eterno, que o poeta vai apreendendo na intensidade dos momentos finais da sua vida. À medida que ele se aproxima da morte, não é só a sucessão de factos particulares que se apresenta, como somos, também, arrastados nesse retrocesso vertiginoso que é a uma história da criação: Virgílio sente-se retroceder progressivamente às etapas anteriores do ser: ele percorre inversamente o caminho do Paraíso, descrevendo as etapas da vida animal, vegetal e mineral. Retorna, passando pela separação original da luz e das trevas, para a fonte de todo o ser. E, neste ponto, nas duas últimas páginas do livro, novamente unido a Deus, ele volta-se e, numa visão final, abraça toda a vida e toda a realidade. A partir desta nova posição de reunificação com o Todo, vê agora o modelo da completude na vida. Todas as polaridades desapareceram. Na morte, os contrários reconciliaram-se, para dar lugar ao Uno. A presença de Heraclito pode ser aqui entrevista, na aceitação da dor e do sofrimento, de todos os contrários que assolam o homem e o cindem e que, finalmente, se subsumem na distensão do instante-limite. Vida e morte tornam-se uma e mesma coisa, numa conjuração de uma visão mística, apenas igualável às visões extáticas dos místicos como mestre Eckart ou, numa versão moderna aproximada, aos belos Hinos à Noite de Novalis.

A representação da morte e do acto de morrer, desse gesto sagrado da «escuta da morte», é, sem dúvida, mais do que uma mera imagem ou do que um gesto de virtuosismo literário, levado a cabo por Broch. Na verdade, ele reflecte a mais íntima essência do homem que vive a escrita na carne, a inscrição do envelhecimento no corpo, e a presença da morte que sempre o acompanhou (nas apresentações da história e do destino do povo hebreu), pelo menos desde a segunda metade da sua vida. Por isso, ela (enquanto imagem e gesto) preenche uma função central na sua obra, que é a libertação do espírito para os problemas éticos da sua própria vida [de Broch] e para preparar o pensamento do futuro. A sua fé, em última análise, residia nesse correlato que se apresenta na literatura e na linguagem, o “absoluto terreno”. A ideia de que seria possível encontrá-lo (e demonstrá-lo, igualmente) consubstanciou-se na sua obra A Morte de Virgílio. Colocando a morte na vida e na obra como expressão dessa procura do “absoluto terreno”, Broch pretendia anulá-la, no que ela continha de ameaçador, e abrir a via para um sistema ético fundado, não sobre o peso da morte, mas apenas e somente sobre as exigências da vida, seguindo o fôlego quase insustentável do vitalismo de Nietszche. Na verdade, nesta obra, ele quis criar a experiência da morte – permitindo ao leitor partilhá-la – enquanto extensão da vida, sobretudo, e não como caos ou aniquilação da vida. É de redenção e de salvação da morte, pela aceitação dos contrários que a própria vida implica, que Broch nos fala e sobre a qual escreve, a cada momento. Sem dúvida que sentimos com a maior das intensidades a presença latente das mais admiráveis páginas que o autor de Assim Falava Zaratustra foi capaz de escrever, celebrando o eterno retorno e a dança do sobre-homem, descobrindo o tempo como eternidade pairante, para lá da morte e do caos. E é, sem dúvida, no cântico da vida, ressoando através dos escombros, que escutamos assombrados o ímpeto vital de Virgílio, encontrando nele a potência do gesto redentor. Esta é a verdadeira significação da quarta parte da obra, na qual Virgílio caminha para a morte, passando por uma série de transformações que a mostram como fonte e complemento da vida, isto é, como “outra” forma de vida. Deste modo, a morte constitui uma resolução dos opostos, que nos aparecem tão estilhaçados na primeira parte, pois a dor e o sofrimento, a doença são prolongamentos da morte, como se ela nos aparecesse numa extensão da vida num outro reino. Deste ponto de vista, a perspectiva de Broch aparece igualmente eivada de um romantismo que é tão caro a Hesse como a Rilke. Em 1942, uma bolsa acordada pela Fundação Rockfeller permite-lhe prosseguir os seus estudos sobre as manifestações de loucura colectiva. Broch tem conhecimento de que a sua mãe, a 9 de Dezembro, morre no campo de concentração de Theresienstadt. Data dessa altura o começo da sua colaboração com Aufbau, o semanário nova-iorquino de língua alemã.Em 1943, começa a psicanálise com Paul Federn, continuando a trabalhar na sua teoria da loucura colectiva, e em 1944 – ano em que se torna cidadão americano – o seu editor americano recebe duma fundação uma subvenção para a publicação da Morte de Virgílio. Finalmente, em 1945, é publicada a obra-prima de Broch, em língua alemã e tradução americana pela Pantera Boroas de nem Yoga. Bem recebida pela crítica americana, a obra não é, porém, tão aclamada na Europa. Broch sempre achou que tinha terminado a sua carreira com A Morte de Virgílio. Ele nunca teve um diário que nos permitisse conhecer as suas confissões, relativamente à sua própria obra literária, mas é sempre por interposta pessoa e através dos seus ensaios literários que o deixa transparecer. Assim, quando escreve sobre Kafka, por exemplo, deixa bem clara a ideia de que a força literária do livro A Morte de Virgílio era demasiado intensa para a sua mensagem, obscurecendo-a. Procedendo a uma auto-reflexão dissimulada, acrescentava: “ou a poesia consegue avançar até ao mito ou vai até à falência”.

E Kafka, que tentara “avançar até ao mito e à cosmogonia”, luta contra o seu amor à literatura, sentindo a sua insuficiência fundamental de toda e qualquer abordagem estética e artística. Justamente por isso decidiu abandonar o domínio da literatura, pedindo a Brod que a sua obra fosse destruída (tal como Virgílio pediria a destruição da Eneida, nesse redrobramento simbólico do gesto, na Morte de Virgílio), pediu-o para bem do universo cuja nova concepção mítica lhe fora entregue. Aquilo que Broch diz neste ensaio, além de revelador da sua própria posição, mostra a que ponto levava a cabo com um zelo inexcedível a tarefa ética que se havia proposto. Esses próximos anos: 1947, 1948 e 1948 serão passados entre a publicação de ensaios e problemas de saúde. Em 1948, redige, no hospital de Princeton, um dos seus mais admiráveis ensaios, «Hofmannsthal e o seu tempo» e começa também a desenvolver uma nova teoria epistemológica.

Nesse ensaio, escrito tão próximo do final da sua vida, Broch aborda todas as condições que perfizeram a sua própria vida; a sua origem judaica e assimilação, o esplendor e a queda de uma Áustria em declínio, o meio burguês e respeitável que ele tanto detestava e de que fazia parte e esse exclusivismo literário tão próprio de Viena, a que ele chamava a “metrópole do vazio ético”. Todas as suas grandes percepções históricas são, aí, tratadas e de modo admirável, sob o olhar de Hofsmanthal.Em 1949, muda-se para perto de Yale University, onde redige, Os Irresponsáveis. Continua, no entanto, a publicar muitos artigos e ensaios e a partir de 1950, Hermann Broch dá cursos de literatura alemã em Yale Universiy e o PEN Club austríaco propõe a sua candidatura para o prémio Nobel. A Academia alemã de Letras e Ciências de Darmstadt convida-o para membro e é convidado a participar no primeiro congresso, em Berlim, para a liberdade da cultura. Em 1951, o último ano da sua vida, Broch volta ao romance que tinha abandonado, O Sortilégio, mas esta nova versão permanecerá fragmentária. Mesmo assim, o livro será posteriormente publicado, a título póstumo, no texto original alemão, em 1976. Entre todos os romances, Édouard Roditi refere ser este romance uma sinfonia ao mesmo tempo pastoral e diabólica, alucinante e que reflecte toda a influência terrífica que o nazismo instilou em Broch. Se bem que o seu carácter alegórico se aproxime da escrita kafkiana, em especial da atmosfera de O Processo e de O Castelo, no entanto, o estilo deliberadamente romântico de Broch demarca-se do realismo mágico de Kafka, muitas vezes, contrastando mesmo com a economia narrativa daquele.A maior das ironias encontra-se no facto de Broch, apesar de toda a sua vida lutar contra a «literatura», se consagrar precisamente como romancista. A obra de epistemólogo, a sua teoria de valores e a crítica que fez ao sistema ético vigente, a sua filosofia da história, da psicologia de massas e da política, tudo isso foi, ou praticamente ignorado ou não chegou até nós senão através dos seus romances e de forma indirecta. A história do pensamento cometeu, para com a sua figura – Broch nunca foi académico nem trilhou os caminhos convencionais dos teóricos do conhecimento –, uma injustiça. Mas persiste igualmente um risco imenso em considerá-lo como um filósofo sistemático. Se, por um lado, a sua impaciência e avidez de conhecimento o terá levado a abraçar vários domínios do pensamento, por outro, transformou-se numa vítima da sua própria avidez, caindo na cilada da totalidade. Essa impaciência de que padecia impediu-o de desenvolver um verdadeiro sistema, fosse ele qual fosse, e o seu compromisso radical com a vida arrastou-o num desenvolvimento dinâmico das suas teorias, que jamais se deixariam contaminar pelo olhar derradeiro da medusa.

Quase sempre, os grandes sistemas petrificaram nessa gelidez e no estatismo formal que foram e constituíram, antes de mais, a sua própria condição de desenvolvimento. Se quisermos aceder ao seu pensamento, teremos de observar a sua vida, ler as suas cartas e ensaios, os seus romances.Ele tinha consciência de possuir uma missão a cumprir na sua vida e consagrou-se-lhe com um zelo perpassado de um ímpeto quase messiânico. Como já não sentia que a literatura fosse capaz de contribuir para a realização dessa tarefa, acaba por depositar todas as suas esperanças na política. É sobretudo neste campo e na possibilidade do “auxílio”, enquanto imperativo ético que se coloca acima de todas as contingências, que se propõe trabalhar. Para ele, era evidente, antes de mais, a obrigação de interromper tudo, fosse qual fosse o seu trabalho ou ocupação, para prestar auxílio e, por isso, torna-se-lhe igualmente óbvio que teria de prescindir da literatura, pois duvidava que esta alguma vez pudesse satisfazer a sua “obrigação para com o absoluto da cognição”. Começou, também, a duvidar se a literatura e a cognição seriam necessárias ao apoio dos necessitados.Ao invés do que ele próprio acreditava, as suas ideias não eram originais, aproximando-se muito o seu pensamento da análise existencialista de Jaspers e de Camus, mas isso não deve denegrir aos nossos olhos o seu brilho e a admirável obra que nos legou. Seguramente, ele formulou a sua própria síntese, de uma sedução ímpar no tempo. Há uma nobreza incomparável na sua teoria sobre a liberdade humana e no modo como define a responsabilidade humana que só é comparável aos escritos de Lèvinas. A ideia da imanência da morte talvez possa ser considerada como o contributo mais original para a experiência da morte. Essa evocação da totalidade e da simultaneidade da vida, tal como nos aparece na Morte de Virgílio, é a maior conquista da sua literatura e apenas poderemos ser justos se colocarmos a sua obra literária, lado a lado com James Joyce ou Marcel Proust, os heróicos e geniais arquitectos da literatura moderna.Hannah Arendt, Homens em Tempos Sombrios, editora Relógio d’Água, Lisboa, 1991, p.131.Broch, Hermann, Création Littéraire et Conaissance, “Hofmansthal et son temps”, Gallimard, Paris, 1955.o seu neto H.F.Broch von Rothermann, in “Hermann Broch, mon pére”, revue Europe, traça dele um retrato nada favorável.Nos seus ensaios literários, a crítica ao romance, na tradição em que ele se insere, encontra-se sempre subjacente. Daí que ele tenha sido dos primeiros críticos europeus a compreender James Joyce, numa época em que ele era tão incompreendido e mal aceite pelos críticos literários dessa época. Essa ressalva pode, ainda, ser feita relativamente a Kafka, de cuja atmosfera tantas vezes ele se aproximou.
iM:wikipedia/storm-magazine.com

Freitag, 12. Juni 2009

Dienstag, 9. Juni 2009

Montag, 8. Juni 2009

Wortes uber Stadte

A Inutilidade do Viajar

Que utilidade pode ter, para quem quer que seja, o simples facto de viajar? Não é isso que modera os prazeres, que refreia os desejos, que reprime a ira, que quebra os excessos das paixões eróticas, que, em suma, arranca os males que povoam a alma. Não faculta o discernimento nem dissipa o erro, apenas detém a atenção momentaneamente pelo atractivo da novidade, como a uma criança que pasma perante algo que nunca viu! Além disso, o contínuo movimento de um lado para o outro acentua a instabilidade (já de si considerável!) do espírito, tornando-o ainda mais inconstante e incapaz de se fixar. Os viajantes abandonam ainda com mais vontade os lugares que tanto desejavam visitar; atravessam-nos voando como aves, vão-se ainda mais depressa do que vieram. Viajar dá-nos a conhecer novas gentes, mostra-nos formações montanhosas desconhecidas, planícies habitualmente não visitadas, ou vales irrigados por nascentes inesgotáveis; proporciona-nos a observação de algum rio de características invulgares, como o Nilo extravasando com as cheias de Verão, o Tigre, que desaparece à nossa vista e faz debaixo de terra parte do seu curso, retomando mais longe o seu abundante caudal, ou ainda o Meandro, tema favorito das lucubrações dos poetas, contorcendo-se em incontáveis sinuosidades, fazendo incessantemente ainda mais um circuito antes de enfim descansar no leito de que se aproxima.
Mas viajar não torna ninguém melhor de carácter nem mais são de espírito. Teremos de nos aplicar ao estudo, de frequentar os mestres da filosofia, a fim de assimilarmos os princípios já estabelecidos e investigar o que ainda está por descobrir. Só assim a alma se pode arrancar à mais dura servidão e alcançar a verdadeira liberdade.
Enquanto ignorares a distinção entre o evitável e o desejável, o necessário e o supérfluo, o justo e o injusto, o moral e o imoral — nunca serás um viajante, mas apenas um ser à deriva.As tuas deambulações não te trarão qualquer proveito, já que viajas na companhia das tuas paixões, seguido sempre pelos males que te dominam. E bom era que estes males apenas te seguissem! Bom era que eles estivessem longe de ti!
O que se passa, porém, é que os levas em cima, e não atrás de ti. Deste modo, onde quer que estejas, eles oprimem-te, destroem-te com a mesma virulência. Um doente precisa que se lhe indique um remédio, não um panorama. Se um homem parte uma perna ou faz uma entorse não vai pôr-se a passear de carro ou de barco: manda, sim, é chamar um médico que lhe ligue o membro partido ou ponha no seu lugar o osso deslocado.
Ora bem: acaso pensas tu que uma alma quebrada ou torcida em tantos lugares pode tratar-se com uma simples mudança de ambiente? Não, esta doença é demasiado grave para curar-se com um passeio! A formação de um médico ou de um orador não se faz em viagem; a aprendizagem de qualquer arte não depende da geografia. Como pensar que a sabedoria, a mais importante das artes, se pode adquirir saltando daqui para acolá?! Podes crer que nenhuma viagem te põe ao abrigo do desejo, da ira, do medo; se tal fosse o caso, todo o género humano começaria em massa a viajar. Estes males não cessarão de atormentar-te, de desgastar-te ao longo das tuas viagens, terrestres ou marítimas, enquanto tiveres em ti as suas causas.
Admiras-te que de nada valha fugir quando tens dentro de ti aquilo de que foges?
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

Sonntag, 7. Juni 2009

seitens der Städte.. LISSABON:Lobo Antunes

António Lobo Antunes


Já reparou como os desenhos das crianças são fascinantes até aprenderem a perspectiva? Quando começam a desenhar a três dimensões, perde-se tudo.
fonte: Diário de Notícias, 17.02.2006


É um escritor e psiquiatra português.
Romancista e cronista, Lobo Antunes é licenciado em
Medicina, com especialização em Psiquiatria. Esteve destacado em Angola, entre 1970 e 1973, durante a fase final da Guerra Colonial portuguesa. A sua experiência de guerra inspirou muitos dos seus livros. Regressado a Portugal, trabalhou no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, em Lisboa.
Foi militante da
APU (Aliança Povo Unido - coligação liderada pelo Partido Comunista Português) em 1980.
Actualmente vive em Lisboa, dedicando-se em exclusivo à escrita.


(...) penso no absurdo de escrever. De estar a escrever quando podia estar com os amigos, ir ao cinema, ir dançar que é uma coisa de que gosto... mas não, um tipo está ali e é um bocado esquizofrénico. (...) Há sempre uma parte subterrânea nas obras de arte impossível de explicar. Como no amor. Esse mistério é, talvez seja, a própria essência do acto criador. (...) Quando criamos é como se provocássemos uma espécie de loucura, quando nos fechamos sozinhos para escrever é como se nos tornássemos doentes. A nossa superfície de contacto com a realidade diminui, ali estamos encarcerados numa espécie de ovo... só que tem de haver uma parte racional em nós que ordene a desordem provocada. A escrita é um delírio organizado.
fonte: Jornal de Letras, Janeiro 1982



António Lobo Antunes nasceu em Lisboa, em 1942. Estudou na Faculdade de Medicina de Lisboa e especializou-se em Psiquiatria. Exerceu, durante vários anos, a profissão de médico psiquiatra. Em 1970 foi mobilizado para o serviço militar. Embarcou para Angola no ano seguinte, tendo regressado em 1973, tendo entretanto sido pai da sua primeira filha.

Precisava de ter dez vidas: oito para escrever, uma para ser médico e outra para escrever sobre teoria da literatura.
fonte: Diário de Notícias, 16.02.2009

Em 1979 publicou os seus primeiros livros, MEMÓRIA DE ELEFANTE e OS CUS DE JUDAS, seguindo-se, em 1980, CONHECIMENTO DO INFERNO. Estes primeiros livros são marcadamente biográficos, e estão muito ligados ao contexto da guerra colonial; transformaram-no imediatamente num dos autores contemporâneos mais lidos e discutidos, no âmbito nacional e internacional.
Da sua obra - Explicação dos Pássaros, Fado Alexandrino, Auto dos Danados, As Naus, Tratado das Paixões da Alma, A Ordem Natural das Coisas, A Morte de Carlos Gardel, O Manual dos Inquisidores, O Esplendor de Portugal, Exortação aos Crocodilos, Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura, Que Farei Quando Tudo Arde, Boa Tarde às Coisas Aqui Em Baixo, Eu Hei-de Amar uma Pedra, Ontem Não te Vi em Babilónia e em 2007, o seu último romance O Meu Nome É Legião – constam, ainda, três volumes de crónicas.

Não existem livros maus, para mim, um livro merece sempre respeito. Há tanta esperança, por vezes sofrimento e até a saúde do autor... Eu agradeço os livros que me mandam, antes de os ler, para não ter de mentir, porque as pessoas não têm sentido autocrítico. Se lhes digo: «Eu não gostei do seu livro...», confundem-se a eles com o produto e consideram-no como algo pessoal. Se fosse crítico, criticaria só os livros de que gostasse, porque se pode fazer muito mal, as pessoas ficam muito mal quando recebem uma crítica adversa; é muito doloroso.
fonte: Conversas com António Lobo Antunes, de María Luisa Blanco, 2002

Seria incapaz de dizer mal de um livro. Mesmo que o livro fosse desonesto, mesmo que o livro fosse mau, não falaria sobre ele. Portanto, se fosse crítico literário era uma maçada porque quase não tinha sobre que escrever.
fonte: Diário de Notícias, Novembro 2003

Todo o seu trabalho literário, com o passar dos anos, tem sido utilizado para os mais diversos estudos, académicos, e de vários prémios, nacionais, por exemplo, por duas vezes, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa, e internacionais; entre estes, destacam-se o Prémio Europeu de Literatura (Áustria), o Prémio Ovídio (Roménia), o Prémio Internacional de Literatura da União Latina (Roma), o Prémio Rosalía de Castro (Galiza), o Prémio Jerusalém de Literatura, o Prémio Iberoamericano das Letras José Donoso e o Prémio Camões.
A editora inicial de António Lobo Antunes era a
Editorial Vega, que publicou os seus primeiros quatro livros. A partir do Fado Alexandrino, Lobo Antunes é editado pela Publicações Dom Quixote.
Em 2003, ao editar o Boa tarde Às Coisas Aqui Em Baixo, iniciou a colecção
ne varietur. Todos os livros seguintes têm sido assim editados e têm sido publicadas as suas obras anteriores em edição ne varietur.
Em entrevista ao DN em Fevereiro de 2009, Lobo Antunes anunciou que irá deixar de publicar dentro de dois anos, após a publicação do seu derradeiro livro.

Eu pergunto-me se é possível entrevistar um escritor. Acho que não é porque ele é muita gente. E é muito difícil apanhar essa multidão toda.
fonte: entrevista na RTP 2, programa Por outro lado, 04.04.2006

Citação«(...) Este mês deram-me um prémio literário. (...) e sem que eles sonhassem (sonhava eu) o cancro ratando, ratando, injusto, teimoso, cego.»António Lobo Antunes in Revista Visão de 12 de Abril de 2007
















Muitos dos livros de António Lobo Antunes referem ou reportam-se a todo o processo de passagem do fim do Estado Novo até à implantação da Democracia.


A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.
fonte: Diário de Notícias, 18.11.2003


O fim da Guerra Colonial, o fim de um mundo burguês marcado por valores conservadores e retrógados. Os problemas de mudança social rápida no 25 de Abril e consequentemente a instabilidade política vivida em Portugal. Esse processo de passagem é espelhado nas relações familiares. Regra geral aparecem nos romances deste autor famílias disfuncionais em que o indivíduo está a perder os seus referentes, em que a comunicação é ou nula ou superficial entre os seus membros. Regra geral os anti-heróis dos seus romances são pessoas que exercem profissões liberais oriundos de "boas famílias".

Penso que as mulheres são mais ciumentas do trabalho que das outras mulheres. Mas eu entendo isso. Eu não gostaria de viver com uma mulher que escrevesse porque, se fosse como eu, estaria tão concentrada no trabalho que não existiria mais nada.
fonte: Conversas com António Lobo Antunes, de María Luisa Blanco, 2002
Lobo Antunes tem uma escrita densa. O leitor tem algum esforço de leitura porque, por exemplo, não é raro haver mudanças de narrador e assim o leitor tem tendência a "perder o fio à meada". No entanto apesar de não ser um autor que opte por uma escrita fácil (ou facilitista) Lobo Antunes constitui um fenómeno de vendas e é muito lido internacionalmente, especialmente na
Europa Continental.

Cada vez é mais difícil ler. Tudo o que leio é pior que aquilo que faço, tenho vontade de começar a corrigir tudo.
fonte: Diário de Notícias, 16.02.2009
Na esteira de
James Joyce ou de "The Sound and the Fury " de Faulkner, o narrador é por vezes trocado, como se o ponto de vista saltasse de personagem em personagem. Isto dá uma qualidade de caleidoscópio ao desenrolar da narrativa.

Cada vez mais, quando acabo um livro, o meu medo é o de já estar a rapar o fundo ao tacho. A sensação de que nasci com um certo número de livros e que, se calhar, eles já acabaram.
fonte: Ler, Maio de 2008


Os livros de Lobo Antunes são muito obsessivos e labirínticos dando um tom geral de
claustrofobia e paranóia às suas obras. Apesar disso as suas obras apresentam uma diversidade linguística notável.

Escrever é sobretudo uma questão de trabalho. Há um dom que lhe é dado mas se não trabalhar muito de nada lhe serve. É tudo conquistado penosamente. Aliás, quando está a sair com facilidade, eu desconfio logo. Aquilo que vem muito depressa não pode ser bom.
fonte: Ler, Maio de 2008
Ocorre muitas vezes numa descrição ou pensamento do que está a acontecer a um personagem aparecerem sobrepostos tanto o que está "realmente" a acontecer como uma realidade imaginária. Outros processos típicos são sintagmas nominais complexos como por exemplo "cachoeira dos pulmões". Aqui os substantivos (S1 de S2) não funcionam da maneira habitual em que S2 atribui propriedades sobre S1 ("copo de água"; água está a especificar o conteúdo do copo) mas funcionando este sintagma como uma metáfora ou como uma comparação. (assim esta imagem seria descrita num português mais habitual como "os pulmões fazendo barulho como uma cachoeira"). Em As Naus, um velho cego tem "olhos lisos de estátua"; em Manual dos Inquisidores, uma luneta é descrita como sendo "um tubo de inventar planetas".

Não se trata de viver noutro planeta, mas a verdade é que, quando estou a escrever, a minha vida muda por completo. Encontro uma razão, um motivo e uma direcção.
fonte: Visão, 27.09.2007
Tipicamente ocorrem várias descrições simultâneas, tanto físicas como de pensamentos. É habitual uma
realidade do passado estar misturada com uma realidade do presente. No meio de um diálogo serem inseridos diálogos imaginários ou do tempo passado. Estes processos são usados com mestria por este autor resultando efeitos de grande valor literário.
Só podes começar um livro quando tens a certeza que não vais ser capaz, porque só então escrever se torna uma luta com o material, e a tua vida se vai estreitando porque estás de tal modo habitado pelo livro, numa relação simbiótica, que formas corpo com ele.
fonte: Jornal de Letras, 25.10.2006
Obra
De sua autoria
Memória de Elefante (1979)
Os Cus de Judas (1979)
A Explicação dos Pássaros (1981)
Conhecimento do Inferno (1981)
Fado Alexandrino (1983)
Auto dos Danados (1985)
As Naus (1988)
Tratado das Paixões da Alma (1990)
A Ordem Natural das Coisas (1992)
A Morte de Carlos Gardel (1994)
Crónicas (1995)
Manual dos Inquisidores (1996)
O Esplendor de Portugal (1997)
Livro de Crónicas (1998)
Olhares 1951-1998 (1999) (co autoria de Eduardo Gageiro)
Exortação aos Crocodilos (1999)
Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura (2000)

Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar? (a ser publicado em 2009)
Sobre o autor e obra
Conversas com António Lobo Antunes, de María Luisa Blanco (2002)
Os Romances de António Lobo Antunes, de Maria Alzira Seixo (2002)
A Escrita e o Mundo em António Lobo Antunes - Actas do Colóquio Internacional da Universidade de Évora (2003)
Fotobiografia, por Tereza Coelho (2004)

Eu penso que aquilo que faz com que nós continuemos vivos e capazes de criar é isso mesmo, uma inquietação constante. Sem ela não pode haver criação, quem não põe sempre tudo em causa, arrisca-se a ter uma vida interior de três assoalhadas, num bairro económico.
fonte: O Jornal, 30.10.1992

Prémios literários
Prémio Franco-Português, 1987 ("Cus de Judas") (Prémio instituído pela embaixada de França em Lisboa, no valor de duzentos mil escudos e atribuído a obras traduzidas para a língua francesa nos últimos cinco anos.)
Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, 1985 ("Auto dos Danados")
Prémio Melhor Livro Estrangeiro publicado em França, 1997 ("Manual dos Inquisidores ")
Prémio Tradução Portugal/Frankfurt, 1997 ("Manual dos Inquisidores")
France-Culture ("A Morte de Carlos Gardel")
Prémio de Literatura Europeia do Estado Austríaco, 2000
Prémio União Latina , 2003
Prémio Ovídio da União dos Escritores Romenos, 2003
Prémio Fernando Namora, 2004
Prémio Jerusalém, 2005
Prémio Camões, 2007[1]
Prémio José Donoso, 2008, atribuído pela Universidade de Talca, Chile

Hoje, os escritores jovens querem ser lidos na segunda-feira, ser publicados na terça, ter um êxito extraordinário na quarta e na quinta ser traduzidos em todo o mundo.
fonte: Conversas com António Lobo Antunes, de María Luisa Blanco, 2002

Não sou um senhor de idade que conservou o coração menino. Sou um menino cujo envelope se gastou.
fonte: Livro de Crónicas, 1998

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